domingo, 31 de maio de 2009

Lançando os dados


Quem se lembra dos divertidos jogos de tabuleiro? Toda a turma se colocava em roda com a atenção voltada para o centro onde tudo acontecia. As partidas oscilavam entre os momentos de tensão e diversão, até que finalmente o vencedor era revelado. A verdade é que tais jogos anteciparam cenas e comportamentos do cotidiano e continuam presentes na vida, em forma de prática e pensamento.
Envolvidos no clima de sorte e azar os participantes do Banco Imobiliário recebem salários, geram renda com aluguéis de casas e hotéis, mas também pagam impostos e correm o risco de pararem na cadeia. A alma do jogo é a mesma que movem os ambiciosos bancos da realidade, o dinheiro. Na brincadeira vence o que obtiver o maior quantidade de patrimônios. Por irônia do destino o criador Charles Darrow passou por grandes apertos na crise de 1929.
Os sábios dizem para "andar até onde as pernas alcançam". No xadrez se anda até onde a posição social permite. Não adianta pressa para dar o xeque-mate, é preciso respeitar a hierarquia com uma boa estratégia. Daí se treinar bastante, é possível conseguir aquele aumento de salário ou a promoção que os chefes tanto resistem. Ganhando o status social que é chave para abrir algumas portas neste mundo. Lembrando que não há vontade que se realize sem sabedoria e planejamento.
Mas nem tudo nessa vida se estabelece a partir de negociações e acordos. As guerras também foram formatadas para os tabuleiros. Como no War, onde as nações se atacam entre si, gerando um confronto mundial em prol do interesse próprio e do poder. Com o reforço do exército e com ajuda da sorte, o jogador pode chegar na posição de líder mundial. Ainda com essa linhagem bélica, podemos citar o clássico Batalha Naval e Combate.
Os pequenos cresceram trocaram os dados, as cartas e os tabuleiros pela realidade. É intrigante como o Jogo da Vida, profecia as escolhas e desejos da maioria das pessoas. Nele, os participantes passam por um caminho que envolve vingança, estudo, casamento, filhos, dinheiro e sorte. Quem passar por esse percurso, conquistar o título de magnata ou se tornar milionário, vence.
Hoje essas jogadas são repetidas na vida real. Descobrir o que fazer para vencer, é uma tarefa bastante complexa e tudo que se tem são meras hipóteses. Até porque nesse jogo, muitos que ganharam dinheiro perderam a esperança, por outro lado alguns fracassados comemoraram ludicamente seus carnavais. Não é possível definir o local de chegada ou onde a brincadeira termina, o jeito é tentar e correr o risco. Como os adultos que lançam os dados, aguardando que as atitudes ou o acaso, lhes deem a chance de serem felizes.

domingo, 24 de maio de 2009

Mosaico Urbano


O despertador toca, hora de acordar se preparar para pegar o ônibus e em breve, fazer parte do mosaico multicolorido que é o centro de Belo Horizonte. Todos os dias, inúmeras pessoas caminham por suas ruas. Seguem para trabalhar ou vadiar, reclamar ou agradecer, ir às compras ou roubar, além de tantos outros pares imagináveis. O centro é um lugar de possibilidades, por lá se corta cabelo por 3 reais e escova por 2, vende-se ouro em camisas e se andar um pouco mais encontra "o mais barato".
E no meio de tantos, trabalhadores se reinventam. Algumas propagandas são anunciadas no grito, seja um orçamento gratuito com o dentista, a venda, troca ou desbloqueio do celular e até mesmo para tentar a sorte nos jogos da lotérica. Este último, geralmente, vendido por deficientes visuais bons de garganta. E nem ouse passá-los para trás porque eles identificam as notas com as mãos!
Também se divulga produtos ou comércios por meio de panfletos, sejam aqueles entregues por alguém que as pessoas nunca dão atenção, ou do tipo adesivos, pregados em muros, postes e lixeiras. Um deles garante que traz o amor em 3 dias e um outro, para quem já encontrou o príncipe encantado, faz amarração para não deixá-lo escapar. Tudo isso acompanhado da palavra infalível e 100% garantido!
A maioria desses papéis e tantos outros descartáveis irão parar no chão, efeito da má educação do povo. Mais trabalhos para os garis que tentam deixar a cidade limpa. Certa vez o gari Antônio, encontrou no centro uma carteira com R$ 700 no dia do natal. Disse que comprou peru e outras coisas para a ceia, além de presentes para sua segunda mulher e seu filho. Depois enviou os documentos pelo correio para o dono da carteira.
Neste ponto da cidade as imagens padronizadas de sucesso e beleza, perdem lugar para as cenas do cotidiano verdadeiro, composta por gente que corre atrás, transpira e esperam em pontos de ônibus. Na avenida Paraná e nas proximidades da rodoviária, é possível sentir cheiro, som e imagem de América Latina. As cores e as arquiteturas dos estabelecimentos se confrontam, as lojas penduram seus produtos nas paredes externas, e sempre há um segurança na calçada para intimidar os ladrões de plantão.
Praça Sete é palco! No seu chão foram encenadas peças de teatro, desfiles de moda, apresentações de bandas, loopings sobre rodinhas e inícios de muitas manifestações. Quando ela é fechada para a gravação de algum comercial que impeça passagem, seus transeuntes se irritam, passam por dentre da faixa zebrada, xingam palavrões, e reclamam “pro pobre que é bom, não se faz nada!”.
No alto, ao redor da praça, imperam as sedes bancárias, local de trabalho de executivos que andam amarrados em gravatas, enquanto lá embaixo, no chão, os desprestigiados passam o dia sentindo conforto em combinações que a moda não aprovaria, punks em seus rasgados ou as aposentadas em suas sandalinhas macias e vestidos estampados com botões.
Na Praça Sete, opção não falta para distrair seres curiosos, se tiver sorte é possível presenciar um evento de porte internacional. Como os índios colombianos, vestidos com fantasias que mais remetem aos índios da América do Norte. Vêm acompanhados de caixas de som, microfones e cantam uma canção nada inteligível em língua nativa. Quando sentem a necessidade de ir ao banheiro, “os cara pintada”, se deslocam até o Mc Donalds. E o preço que se paga para vê-los, fica a seu critério. Bondosos não?
Este lugar de tantos, guarda algumas armadilhas. Quando é dia de pagamento de benefício as aposentadas se preparam para receber. Ao saírem do banco, são enganadas por mulheres que usam do nome de Deus para roubar a cristã. No centro as mulheres andam agarradas com as bolsas, e se os empregados de lojas de departamento se distraírem, podem perder até uma TV de 42 polegadas sob a luz do dia em local movimentado.
Mas tem a sua sedução. A rodoviária é uma ilha rodeada por casas de prostituição para garantir o prazer dos que chegam na capital ou dos belo-horizontinos que precisam de companhia. Dentro desses prostíbulos a quantidade de homens lembra um formigueiro, e eles podem escolher da mulher mais decadente a travesti mais exótica. Nessas casas uma prostituta pode atender até 40 homens em um dia de trabalho. E a satisfação é comprovada nas atitudes dos freqüentadores que às vezes descem as escadas "trocando as pernas".
No centro se assusta com facilidade, vez ou outra passa um senhor com um saco de linhagem e um pau de madeira na mão, de repente ele bate com força no saco e sai da sua boca um miado de gato escandaloso. Há também o fiel desesperado que sai correndo com uma bíblia aberta e gritando para que procurem a salvação.
Começa a escurecer e o trânsito daqui a pouco ficara caótico. Buzinas serão ativadas como brigas nervosas que envolvam palavrões. Os moradores de rua vão procurar um lugar confortável para deitarem. E logo as ruas se silenciarão, até que o despertador nos avise que mais um dia começa.

domingo, 3 de maio de 2009

Tente não cruzar os braços



Era manhã no parque Fazenda Lagoa do Nado. A mediadora anunciava o início das apresentações para escolher a rainha da bateria do desfile da Luta Antimanicomial. Então, os tambores foram tocados e a moçada caiu no samba. A platéia se aproximou na intenção de pegar o melhor ângulo. Não passando muito tempo, o público estava em roda e a sua grande maioria de braços cruzados.
Para a linguagem corporal, os braços cruzados são sinônimos de defesa, desconforto, insegurança, hostilidade e restrição. Na análise simples do corpo, sem usar de estudos que falem sobre o assunto, quando cruzamos os braços estamos fechados. Em outras palavras reservados, retraídos ou se preferir cercados de muros.
A simples cruzada de braços é contagiosa, como foi na manhã daquele evento. Ela não só estimula o próximo a fazer igual, como também contagia os outros órgãos a se desinteressarem pelo que pede atenção. Os “nós” de braços, podem amarrar as emoções de seu cotidiano em lugares distantes.
Braços abertos é começo de abraço, é o gesto para quem imagina voar ou a forma que o corpo tem para comemorar momentos de grande emoção. Não dá pra se imaginar livre com braços amarrados. Na dúvida, experimente imitar o Redentor na sua melhor pose, de braços bem abertos!

Entre contos e contas de infancia



Aquele colégio de muros azuis, que nos uniformizam de vermelho. Sempre nos colocavam em filas, fosse pra sair da sala, merendar ou pra ir ao parquinho. Não entendia muito bem o que tudo isso e outras coisas mais queriam dizer.
Apesar das inúmeras interrogações que repentinamente pairavam na minha cabecinha, os problemas matemáticos, foram de fato problemas de verdade. Durante essa fase fiquei sabendo da existência da Márcia e as maçãs, Pedro e os limões e claro Joãzinho e as laranjas. Mas, mesmo tendo todos eles presentes em minha vida na 3° e 4° série, nunca fomos apresentados uns aos outros. Possivelmente a professora sabia das minhas idéias de fazer uma salada com as frutas dos coleguinhas, pra gente parar de complicar de vez. Embora não conhecendo nenhum deles, ainda tinha de pagar o pato. Todos os meses me encontrava em desespero, naquele esquema de escreve-apaga, contar nos dedos, morder o lápis, olhar pro lado, pra cima, pra baixo e não encontrar uma solução possível para o PROBLEMA.
Que justiça seja feita! Será que a mãe do Joãzinho nunca lhe descascou uma laranja? Porque o garoto fez de tudo com as laranjas: comprou, trocou, revendeu, partiu mas o suco que é bom e saudável nunca apareceu. O moleque também não deve ter conhecido o parquinho, balanços, gangorras e escorregadores, criança que conhece tudo isso não tem tempo para inflamar com laranjas, morangos e uvas.
Não posso reclamar da minha infância, porque até hoje a confundo com a fase adulta. Imagino que isso aconteça porque coisas muito boas devo ter vivido nesse tempo. E confesso que o mundo adulto mesmo que da sua maneira maluca, tenta ser coerente com as palavras e seus significados. Ainda não sei porque uma girafa tem esse nome ou de que buraco eles tiraram o nome do Lego, mas já entendia desde cedo porque tal exercício se chamava problema.